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por Miguel Rêgo
 

Na segunda metade do século 19, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, capital do Império do Brasil, era a terra dos capoeiras e suas maltas.
 

Onde hoje estão as largas avenidas Presidente Vargas e Rio Branco entrecortavam-se ruas, vielas e becos. As esquinas e praças eram os pontos de encontro e referência, assim como as igrejas.

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Durante o dia, pelas ruas calçadas de pedras, caminhava todo tipo de gente. Os negros, escravizados ou livres, e brancos pobres, cruzavam com os senhores e as senhoras das classes dominantes daquele tempo. 

 

Quituteiras, marceneiros, soldados, grandes comerciantes de coisas e de pessoas, padres, bispos, oficiais militares ou civis, mensageiros, estivadores, marinheiros, burocratas e escritores andavam ocupados em seus afazeres. .

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À noite, as coisas mudavam. Com iluminação pública precária, é nessa época que se inicia o serviço de iluminação a gás, a cidade tornava-se o espaço dos capoeiras e as grandes ações das maltas tinham vez.

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As maltas se distribuíam por toda a parte da cidade mais adensada à época, do Campo de Santana até Botafogo. A Flor da Gente, por exemplo, era sediada na Glória, a do Monturo no entorno da Igreja de Santa Luzia, a Cadeira da Senhora era o grupo do Campo de Santana. 

 

Cada uma delas controlava seus territórios e organizava seus negócios e alianças. Além disso, cada uma delas é identificada com uma das duas grandes e rivais agremiações que foram se formando desde o começo do século: os Nagoas e os Guaiamus.

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As origens da divisão entre os Nagoas e Guaiamus remontam à chegada da corte portuguesa e sua instalação no Rio de Janeiro em 1808 e às disputas entre os escravizados africanos e os nativos enquanto a capoeira surgia entre eles.
 

As formas de agir das maltas dos dois grupos se caracterizavam pelas ações preferencialmente noturnas e intervenções nas festividades religiosas e populares: os desfiles, as folias e o entrudo. Elas estabeleciam pontos de apoio em cortiços e nas casas das quituteiras. 

 

Era comum capoeiras comporem corpos militares voluntariamente, quando calculavam as possíveis vantagens, ou à força, como no caso de recrutamento forçado de escravizados e populares para o destacamento conhecido como “Voluntários da Pátria” na Guerra do Paraguai (1864-1870).

Havia rituais de iniciação para os novos integrantes e ambos os grupos reconheciam os grandes entre os adversários. Nos ataques aos integrantes de maltas rivais e nos confrontos com a polícia usavam dos golpes e cabeçadas ou de armas de impacto (paus e pedras) e de corte (facas, adagas, navalhas). Guaiamus e Nagoas estimulavam e valorizavam o apuro nos golpes e no manuseio da navalha. Entre as maltas de ambos os grupos a capoeira era também diversão e demonstração de destreza.

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Guaiamus

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Nagoas

As maltas Guaiamus estavam distribuídas pelas áreas há mais tempo ocupadas e a partir das quais a cidade cresceu. Era a região cercada pelos morros que marcaram seus primeiros pontos limítrofes: o do Castelo, de Santo Antônio, do Senado, hoje desmontados, e da Providência; o Campo de Santana completava a fronteira.  O entorno da Igreja de Santa Rita era controlado pela malta Três Cachos; na do Bom Jesus do Calvário, a Dos Ossos; na de São Jorge, a Lança e no Largo de São Francisco de Paula mandava a dos Franciscanos.

Nas cercanias dessa região, de ocupação posterior, estavam as maltas Nagoas. Na Glória, a Flor da Gente; a Espada dominava a Lapa; no Campo de Santana fica a Cadeira da Senhora; na Igreja de São José, a Carpinteiro e na Igreja de Santa Luzia a do Monturo.

A forma de se vestir ou as cores de um adereço eram das principais formas de distinção entre os capoeiras dos dois grupos. Era Nagoa quem carregava lenços brancos sobre o vermelho e Guaiamu quem trouxesse o vermelho sobre o branco.

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A prática da capoeira não era crime naquele tempo. Quando um capoeira era detido, o era por homicídio, sequestro, assalto ou agressão, por exemplo. A capoeira só viria a ser criminalizada, tipificada como um crime específico, na última década do século 19. 

 

A forma indireta de criminalização daquela época sinaliza o reconhecimento de um tipo de pessoa, identificada com grupos de práticas e formas de organização mais ou menos definidas e localizados nas margens da sociedade. Seu crime era o assassinato, o roubo, ou o que for, mas ele era identificado como capoeira. 

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As ações das maltas, no entanto, não eram motivadas puramente pela rivalidade tradicional. Elas revelam outras alianças, tácitas ou explícitas, com agremiações políticas que atuavam no cenário das disputas daquele tempo.  

 

As alterações entre os partidos oficiais da época, o Conservador e o Liberal, na chefia do governo e na defesa da causa abolicionista, eram consideradas pelos capoeiras quando estes decidiam por se associar a um partido para atuar naquela arena.

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O arranjo social e político, que vigorou no Brasil na segunda metade do século 19 e contava com as maltas como importantes agentes, começa a se desfazer a partir do final dos anos 1870. Os desdobramentos da campanha na Guerra do Paraguai, os avanços abolicionistas culminando com a Lei Áurea em 1888 e a instauração da República em 1889, apontam para o estabelecimento de uma nova ordem que nos anos seguintes empreendeu grandes esforços para transformar a cidade.

 

O desmantelamento da cidade das maltas só foi possível com a combinação do redesenho urbano e a dispersão dos capoeiras, exilando-os distantes da agora capital da república.

Esta tarefa teve como principal executor João Batista Sampaio Ferraz, chefe de polícia do Rio de Janeiro. Sua carreira como promotor de justiça e, dizem, sua aprendizagem na capoeiragem, o familiarizaram com o funcionamento da cidade das maltas. Empossado no cargo, já havia identificado os principais chefes das maltas e, numa primeira e fulminante operação deflagrada ainda nos primeiros meses da república, capturou os capoeiras e os deportou. O principal destino foi a ilha de Fernando de Noronha em Pernambuco.

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A força da repressão sobre os capoeiras foi tanta que desfez definitivamente os laços que caracterizavam a cidade das maltas e, com o tempo, a própria capoeira do Rio de Janeiro.

Nos primeiros anos do século 20, o início das grandes reformas, conhecidas como Bota-Abaixo, que mudaram a face da cidade, especialmente a parte dela que aqui chamamos de “cidade das maltas”, destruiu as ruas, vielas e becos onde as ações dos capoeiras aconteciam.

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Mas a cidade das maltas ecoou ao menos uma vez no novo Rio de Janeiro que se erguia. O impacto das transformações do Bota-Abaixo na vida das pessoas que habitavam as partes mais afetadas somada à truculência da política de vacinação obrigatória de Oswaldo Cruz, foram dos grandes motivadores da Revolta da Vacina em 1904.

Duramente reprimidos, os revoltados resistiram numa última barricada na região da Gamboa, onde hoje está a Praça da Harmonia, liderados por um capoeira.  Seu nome cantamos até hoje: Prata Preta.

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Museu virtual voltado à pesquisa e preservação da história da capoeira no Rio de Janeiro
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